Estava lendo por esses
dias um livro didático, utilizado nas escolas do ensino médio nas aulas de
História. O livro se chama “História do Brasil”, escrito por Franscisco de
Assis Silva (SILVA, Francisco de Assis, História
do Brasil: Império, República. São Paulo: Moderna, 1992).
Lendo especificamente
sobre o “Primeiro Reinado (1822-1831)” ficou muito claro como o imperador do
Brasil (D. Pedro I) estava vendido aos interesses de Portugal, que apesar de
reconhecer formalmente sua independência tratava-o como colônia. Mas nossa
soberania foi paulatinamente reconhecida pela comunidade internacional, pois
diversos países tinham interesses econômicos com o Brasil, entretanto
desconfiavam da monarquia absolutista portuguesa.
Em
síntese, o Estado brasileiro criado em 1822 foi montado sobre a velha estrutura
conservadora, agroexportadora, escravista e dependente dos mercados e do
capital internacionais. (SILVA, Francisco de Assis, História do Brasil: Império, República.
São Paulo: Moderna, 1992. 124 p.)
Portugal, a “prostituta”
da Inglaterra, exigiu o pagamento de 2 milhões de libras ao governo brasileiro
para reconhecimento de sua independência. Leia o trecho a seguir:
A
Inglaterra, mais interessada no reconhecimento, dadas as vantagens comercias
alcançadas com os tratados de 1810, agilizou sua diplomacia para convencer
Portugal, por sua vez, das vantagens que poderia tirar com reconhecimento.
Seguindo os planos ingleses, D. João VI reconheceu a independência
brasileira em 1825, porém exigiu o pagamento de 2 milhões de libras e o título honorário de Imperador do Brasil.
Foi bastante estranha a atitude de
D. Pedro I, aceitando pagar para que seu pai reconhecesse a independência de um
país que já a consolidara havia quase três anos.
(SILVA,
Francisco de Assis, História do Brasil:
Império, República. São Paulo: Moderna, 1992. 126 e 127 p.)
(Destaques
acrescidos)
Críticas não faltam
para o modo em que nosso país foi constituído e vem desde então sendo
administrado. Contudo, o destaque que quero dar, apesar de todos os percalços,
é para a Constituição Federal desse período. Refiro-me à Constituição Federal
de 1824, especialmente seu artigo 179, incisos I ao XXXV a seguir transcritos:
TÍTULO 8º.
Das Disposições Geraes, e Garantias dos Direitos
Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros.
(...)
Art. 179. A inviolabilidade
dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a
liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela
Constituição do Imperio, pela maneira seguinte
I – Nenhum Cidadão póde ser obrigado a fazer, ou deixar
de fazer alguma cousa, senão em virtude de Lei.
II – Nenhuma Lei
será estabelecida sem utilidade publica.
III – A sua
disposição não terá effeito retroactivo.
IV – Todos podem communicar os seus pensamentos, por
palavras, escriptos, e publical-os pela Imprensa, sem dependência de censura;
com tanto que hajam de responder pelos abusos, que commetterem no exercicio
deste Direito, nos casos, e pela fórma, que a Lei determinar.
V – Ninguem póde ser perseguido por motivo de
Religião, uma vez que respeite a do Estado, o não offenda a Moral Publica.
VI – Qualquer
póde conservar-se, ou sahir do Imperio, como lhe convenha, levando comsigo os
seus bens, guardados os Regulamentos policiaes, e salvo o prejuízo de terceiro.
VII – Todo Cidadão tem em sua casa um asylo
inviolavel.
De noite não se poderá entrar nella, senão por seu consentimento, ou para o
defender de incêndio, ou inundação; e de dia só será franqueada a sua entrada
nos casos, e pela maneira, que, a Lei determinar.
VIII – Ninguem
poderá ser preso sem culpa formada, excepto nos casos delcarados na Lei; e
nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da entrada da prisão, sendo em
Cidades, Villas, ou outras Povoações proximas aos logares da residência do
Juiz; e nos logares remotos dentro de um prazo razoavel, que a Lei marcará,
attenta a extensão do territorio, o Juiz por uma Nota, por elle assignada, fará
constar ao Réo o motivo da prisão, os nomes do seu accusador, e os das
testemunhas, havendo-as.
IX – Ainda com
culpa formada, ninguém será conduzido á prisão, ou nella conservado estando já
preso, se prestar fiança idônea, nos casos, que a Lei a admitte: e em geral nos
crimes, que não tiverem maior pena, do que a de seis mezes de prisão, ou
desterro para fóra da Comarca, poderá o Réo livrar-se solto.
X – Á excepção
de flagrante delicto, a prisão não poderá ser executada, senão por ordem
escripta da Autoridade legitima. Se esta for arbitraria, o Juiz, que a deu, e
quem a tiver requerido serão punidos com
as penas, que a Lei determinar.
O que fica disposto
acerca da prisão antes de culpa formada, não comprehende as Ordenanças
Militares, e recutamentos do Exercito; nem os casos que não são puramente
criminaes, e em que a Lei determina todavia a prisão de alguma pessoa, por
desobedecer aos mandados da Justiça, ou não cumprir alguma obrigação dentro de
determinado prazo.
XI – Ninguem
será sentenciado, senão pela Autoridade competente, por virtude de Lei
Anterior, e na fórma por Ella prescripta.
XII – Será
mantida a independência do Poder Judicial. Nenhuma Autoridade poderá avocar as
Causas pendentes, sustal-as, ou fazer reviver os Processos findos.
XIII – A Lei será igual para todos, quer proteja,
quer castigue, e recompensará em proporção dos merecimentos de cada um.
XIV – Todo o
Cidadão pode ser admittido aos Cargos Publicos Civil, Politicos, ou Militares,
sem outra diferença, que não seja a dos seus talentos, e virtudes.
XV – Ninguem
será exempto de contribuir para as despezas do Estado em proporção dos seus
haveres.
XVI – Ficam
abolidos todos os Privilegios, que não forem essencial, e inteiramente ligados
aos Cargos, por utilidade publica.
XVII – Á
excepção das Causas, que por sua natureza pertencem a Juizos particulares, na
conformidade das Leis, não haverá Foro privilegiado, nem Commissões especiaes nas
Causas civeis, ou crimes.
XVIII –
Organizar-se-há quanto antes um Codigo Civil, e Criminal, fundado nas solidas
bases da Justiça, e Equidade.
XIX – Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura,
a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis.
XX – Nenhuma pena passará da pessoa do delinquente. Por tanto não
haverá em caso algum confiscação de bens, nem a infâmia do Réo se transmitirá
aos parentes em qualquer grão, que seja.
XXI – As Cadêas será seguras, limpas, e bem
arejadas, havendo diversas casas para separação dos Réos, conforme suas
circumstancias, e natureza dos seus crimes.
XXII – É garantido o Direito de Propriedade em toda
a sua plenitude.
Se o bem publico legalmente verificado exigir o uso, e emprego da Propriedade
do Cidadão, será elle préviamente indemnisado do valor della. A Lei marcará os
casos, em que terá logar esta única excepção, e dará as regras para se
determinar a indemnisação.
XXIII – Também
fica garantida a Divida Publica.
XXIV – Nenhum
genero de trabalho, de cultura, industria, ou commercio póde ser prohibido, uma
vez que não se opponha aos costumes públicos, á segurança, e saúde dos
Cidadãos.
XXV – Ficam
abolidas as Corporações de Officios, seus Juizes, Escrivães, e Mestres.
XXVI – Os
inventores terão a propriedade das suas descobertas, ou das suas producções. A
Lei lhes assegurará um privilegio exclusivo temporário, ou lhes remunerará em
resarcimento da perda, que hajam de soffrer pela vulgarisação.
XXVII – O Segredo das Cartas é inviolável. A
Administração do Correio fica rigorosamente responsável por qualquer infracção
deste Artigo.
XXVIII – Ficam
garantidas as recompensas conferidas pelos serviços feitos ao Estado, quer
Civis, quer Militares; assim como o direito adquirido a ellas na fórma das
Leis.
XXIX – Os Empregados
Publicos são estrictamente responsáveis pelos abusos, e omissões praticadas no
exercicio das suas funcções, e por não fazerem effectivamente responsaveis aos
seus subalternos.
XXX – Todo o
Cidadão poderá apresentar por escripto ao Poder Legislativo, e ao Executivo
reclamações, queixas, ou petições, e até expor qualquer infracção da
Constituição, requerendo perante a competente Auctoridade a effectiva
responsabilidade dos infractores.
XXXI – A
Constituição tambem garante os socorros públicos.
XXXII – A Instrucção primaria, é gratuita a todos os
Cidadãos.
XXXIII –
Collegios, e Universidades, aonde serão ensinados os elementos das Sciencias,
Bellas Letras, e Artes.
XXXIV – Os
Poderes Constitucionaes não podem suspender a Constituição, no que diz respeito
aos direitos individuaes, salvo nos casos, e circumstancias especificadas no
paragrapho seguinte.
XXXV – Nos casos
rebelião, ou invasão de inimigos, pedindo a segurança do Estado, que se
dispensem por tempo determinado algumas das formalidades, que garantem a liberdade
individual, poder-se-há fazer por acto especial do Poder Legislativo. Não se
achando porém a esse tempo reunida a Assembléia, e correndo a Patria perigo
imminente, poderá o Governo exercer esta mesma providencia, como medida
provisoria, e indispensavel, suspendendo-a immediatamente que cesse a
necessidade urgente, que a motivou; devendo num, e outro caso remetter á
Assembléia, logo que reunidar fôr, uma relação motivada das prisões, e d’outra
medida de prevenção tomadas; e quaesquer a ellas, serão responsaveis pelos
abusos, que tiverem praticado a esse respeito.
Adriano
Campanhole e Hilton Lobo Campanhole (org.). Constituições
do Brasil. São Paulo, Ed. Atlas.
(Destaques
acrescidos)
Interessante observar
que a Constituição de 1824 já previa diversos direitos e garantias aos cidadãos
brasileiros, que hoje estão insculpidas no artigo 5º. da Constituição Federal
de 1988, até hoje vigente, sob o título “Dos Direitos e Garantias
Fundamentais”, dispondo em seu caput
que todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e às propriedade, nos termos seguintes:
(...).
Historicamente temos na
Constituição de 1824 a proteção dos interesses do cidadão em um momento que não
se falava em “direitos humanos”. Isso é uma evolução político-social de grande
valia, que aponta para o progresso deste país, declarado na bandeira nacional
(Ordem e Progresso).
A contrario sensu, um dos problemas é a efetividade
da Constituição e das diversas leis promulgadas no Brasil. Esta efetividade se
traduz em cumprimento, relevância, interesse social etc., pois a previsão
abstrata da lei não faz sentido quando não encontra no contexto social razão de
existir. E aqui meu apelo é para que nossos legisladores estejam atentos aos
interesses dos cidadãos e não apenas aos interesses de corporações que visam
tão somente o lucro e exploração das riquezas do nosso país. E aos cidadãos,
meu apelo é para que cumpramos às leis, pois não podemos exigir algo que não
praticamos.